O que seria uma circunstância relevante (inominada), anterior ou posterior, capaz de atenuar a pena?

Primeiramente saliento que sou jurista e neste espaço não discuto meus valores morais, religiosos ou políticos. Nem tampouco defendo subjetivismos. Esses assuntos certamente seriam bem aproveitados em palanques, campanhas eleitorais e muito bem aplicados nas urnas, onde, contraditoriamente, nem são lembrados. Fico até incerto se é mesmo contradição ou hipocrisia. Não sou defensor do crime, menos ainda da iniquidade. Por ora sou defensor do direito, da lei. Aquela, que vale pra todos.

Continuando, a pergunta do título me veio à mente quando me deparei com publicação da revista eletrônica jurídica CONJUR, que noticiava que um defensor pediu a extinção da punibilidade de um réu que passava por diversos problemas em sua vida, causando sofrimento. Problemas que não guardam relação com a punição estatal, mas que, segundo a defesa, seriam suficientes para conceder ao réu o direito a ver-se livre do cumprimento da pena. O pedido foi negado em razão de falta de previsão legal. (https://www.conjur.com.br/2020-out-27/dores-traumas-nao-extinguem-punibilidade-reu-tj-rs)

Parece utópico acreditar que um réu poderia deixar de cumprir a pena em razão de problemas pessoais, mormente quando não guardam qualquer relação com o fato criminoso ou com a punição estatal.

No entanto, o art. 66 do Código Penal, prevê a possibilidade de o juiz atenuar a pena a ser aplicada se verificada alguma circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime. Assim, embora realmente não exista previsão legal acerca da extinção da pena, há previsão de aplicação de uma pena menor em caso de circunstância relevante. E, eis a questão. O que seria relevante?

Já que o artigo não diz o que seria relevante, fica para o juiz decidir se existe tal circunstância e se ela será ou não aplicada, já que muitos benefícios penais utilizam o verbo “poder”, dando, segundo jurisprudência dominante, discricionariedade ao juiz para aplicar ou não a benesse.

Acontece que em um Brasil extremamente punitivista, o verbo “poder” não segue nenhuma regra lógica de hermenêutica ou semântica, passando quase sempre a significar que o benefício não deve ser aplicado, mormente se houver no caso certa dose de clamor social.

Veja-se que a lei determina que a circunstância relevante pode ser posterior ou anterior ao crime, de modo que nem mesmo é necessário que tal circunstância tenha relação com a ação criminosa ou com as respectivas consequências.

Não é razoável que se admita que o legislador deu sentido zero à palavra “poder” e deixe totalmente a cargo do juiz a aplicação ou não da circunstância atenuante, isso porque contraria totalmente muitos princípios fundamentais, tais como isonomia, imparcialidade e legalidade.

Não se pode admitir que um juiz aplique tais circunstâncias em favor de um réu e não de outro, no mesmo contexto. Então a melhor interpretação com base em princípios do direito é de que toda vez que o juiz não aplicar o benefício deve fundamentar a negativa em face do caso concreto e não simplesmente porque não quer.

Dito isso, traremos os casos. Vocês não verão no Brasil alguém rico preso provisoriamente em razão de violência doméstica. E digo isso com toda segurança, uma vez que pessoas afortunadas sempre pagam a fiança arbitrada pela Autoridade Policial. Podem ficar sujeitas a outras medidas protetivas, mas não presas. Na prática, somente agressores pobres são privados da liberdade. É, portanto, uma lei elitista, tanto quanto as interpretações dos juízes que a aplicam indiscriminadamente.

Esse é um assunto para outro momento, mas cuja alusão foi necessária para explicar a proposta inicial do artigo.

Acontece que os presos provisórios com prisão fundamentada na Lei Maria da Penha, em razão da prática quase sempre dos crimes de lesão corporal leve (CP, art. 129, §9º) e ameaça (CP, art. 147), ficam presos por três ou quatro meses provisoriamente diante de uma sentença condenatória de no máximo três meses em regime aberto. Ou seja, cumprem pena provisória muito maior e mais grave que a condenação.

E então, seria o cumprimento de pena a mais uma circunstância relevante para atenuar a reprimenda, caso o acusado seja novamente condenado por outro crime?

Entendemos que sim. Ora, o preso foi privado da liberdade por muito mais tempo que deveria. Então diante de nova condenação, deveria sim ser aplicada a atenuante em favor dele. Qual circunstância seria mais relevante que essa?

Não se ignora que a privação da liberdade é a pena máxima que o estado pode aplicar a alguém, sendo proibidas penas corporais como tortura ou morte.

Imagine-se então alguém que cometeu um crime horrendo e a população resolveu castigar o criminoso, quase o matando, deixando sequelas pro resto da vida, mediante a chamada “justiça com as próprias mãos”.

O fato de o povo ter praticamente aplicado pena proibida e deixado sequela no criminoso para o resto da vida também é uma circunstância relevante e que deveria ser considerada em aplicação do artigo 66 do Código Penal. Ora, o povo outorga ao Estado o direito de punir e, quando pune com as próprias mãos, age em desconformidade com o pacto social e contra a lei, garantindo ao acusado o direito de ter reparado o dano que sofreu injustamente.

E antes que se diga, não defendo bandido, não quero levar bandido pra minha casa e sou totalmente contra o crime. Eu defendo a lei. E a lei é para proteger o cidadão de arbitrariedades do estado. A lei não admite emprego de moral e outros subjetivismos, sob pena de se tornar seletiva e assim como a prisão de pobres, elitista.

Lembro bem que as mesmas mãos que bateram palmas quando o prefeito de nossa cidade foi proibido judicialmente de realizar o carnaval e a queima de fogos nas festividades de final de ano, foram as que amargamente retiraram suas coisas das barracas localizadas no espaço público concedido pelo munícipio. Não me canso de dizer: seja pelo bem ou pelo mal, a lei deve ser cumprida. Não se pode admitir uma decisão arbitrária ou ilegal ainda que seja contra um sujeito do mal. Porque sujeitos do mal são exceção e geralmente é o cidadão que paga o pato.

E como eu dizia, não se vê juízes aplicando o artigo 66 do Código Penal em favor dos condenados, ainda que tais circunstâncias existam, isso porque sempre interpretam o verbo “poder” como algo discricionário e, não raras as vezes, relativizam o verbo “dever” com emprego de subjetivos e solipsismos baseados em conceitos pessoais e na opinião pública.

Sempre alerto que devemos tomar cuidado para não relativizar a lei com base em valores morais, porque eles mudam e, muitas vezes, o que é valioso para você, não é para quem decidirá sua vida em uma canetada.

(Dr. Bruno)

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